Após pelo menos três pedidos de esclarecimento do STF (Supremo Tribunal Federal) em meio ao andamento de uma ação sobre a vacina contra a covid-19, o governo federal divulgou nesta quarta-feira (16/12) um plano nacional de vacinação como parte do combate à pandemia.
Ao lançar o plano, o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, questionou as expectativas da população em relação à vacinação.
“Para que essa ansiedade, essa angústia?”, disse.
“O povo brasileiro tem capacidade de ter o maior sistema único de saúde do mundo, de ter o maior programa nacional de imunização do mundo, somos os maiores fabricantes de vacinas da América Latina”, afirmou.
Entenda como vai funcionar, segundo o governo, a campanha nacional de vacinação contra a covid-19:
Qual vacina será usada?
Há uma série de vacinas candidatas na fase 3 de testes, mas o governo não especificou qual será a vacina usada por ainda não ter fechado um contrato final com nenhuma farmacêutica específica.
Mas já há negociações em andamento que, segundo o governo, totalizam cerca de 350 milhões de doses.
Entre as negociações estão a vacina de Oxford/AstraZeneca, com produção no Brasil pela Fiocruz. Há um encomenda de 100,4 milhões de doses dessa vacina até julho de 2021 e encomenda de produção nacional de mais 110 milhões de doses até dezembro de 2021.
Também há uma encomenda de vacinas (42,5 milhões de doses) do consórcio internacional da Covax, sem data ainda. A vacina vinda desta fonte pode ser de qualquer uma das diversas farmacêuticas que fazem parte do consórcio.
Além disso, o governo tem conversado com diversas outras farmacêuticas: a Pfizer/BioNTech, a Janssen, o Instituto Butantan/Sinovac, a Bharat Biotech, a Moderna, a russa Gamaleya e a Moderna.
O Ministério da Saúde diz que foram solicitadas informações de preços, estimativa e cronograma de disponibilização de doses e dados científicos dos estudos com essas vacinas.
Qualquer uma das vacinas citadas — ou mesmo mais de uma delas — pode ser a escolhida para o programa nacional de imunização contra o coronavírus.
Apesar da reticência anterior do governo com a Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan em parceria com a empresa chinesa Sinovac, a vacina está citada no documento.
O ministro Pazuello afirmou que todas as vacinas terão o mesmo tratamento, ou seja, todas serão consideradas sem prejuízo para nenhuma delas.
“Todas as vacinas produzidas no Brasil, ou pelo Butantan ou pela Fiocruz, por qualquer indústria, terá prioridade do SUS. Isso está pacificado, discutido, muito bem tratado e acompanhado”, disse.
Quando vai começar a vacinação?
O governo não estipulou uma data para o início da vacinação: disse que ela deve começar após a aprovação de uma ou mais vacinas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Mas ainda não há data para a aprovação do registro das vacinas na Anvisa sair — na verdade nenhum pedido de registro na Anvisa foi feito.
Como o governo de São Paulo afirmou que a vacinação deve começar em 25 de janeiro, a expectativa é de que o Instituto Butantan envie o pedido de registro da Coronavac (que será usada no Estado) em breve.
O governo também afirma que espera que até o fim do primeiro semestre de 2021 os grupos prioritários estejam vacinados. Para isso ocorrer, de acordo com as estimativas do projeto, a vacinação teria de começar até fevereiro.
Quanto tempo até todo mundo ser vacinado?
Depois do início da vacinação, a previsão do governo é que a vacinação seja concluída em 16 meses.
Desse tempo, os primeiros quatro meses serão usados para imunizar todos os grupos prioritários e os outros 12 meses seriam para vacinar a população em geral. Ou seja, a campanha de vacinação deve durar pelo menos até o primeiro trimestre de 2022.
O Ministério da Saúde estima que, para interromper a circulação do vírus, cerca de 60% a 70% da população precisa estar imune.
“Desta forma seria necessária a vacinação de 70% ou mais da população (a depender da efetividade da vacina em prevenir a transmissibilidade) para eliminação da doença”, diz o plano de vacinação.
Como no momento inicial não existe ampla disponibilidade da vacina, “o objetivo principal da vacinação passa a ser focado na redução da morbidade e mortalidade pela covid-19″, o que deve acontecer com a vacinação dos grupos prioritários, diz o governo.
Quando eu vou tomar a vacina?
Como não há datas estipuladas, o que dá para saber é quem são os grupos que vão tomar a vacina primeiro a partir do momento em que a vacinação começar.
Os primeiros a serem vacinados serão os trabalhadores da área de saúde: profissionais de saúde, como médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e também profissionais de apoio, como cozinheiros e pessoal da limpeza de hospital, motoristas de ambulância, cuidadores de idosos etc.
Indígenas aldeados em terras demarcadas, pessoas com 60 anos ou mais institucionalizadas e pessoas de 75 anos ou mais também devem receber a vacina nessa primeira fase.
Os próximos a serem imunizados, em uma segunda fase, serão os idosos entre 60 e 74 anos.
A fase três será voltada para pessoas com comorbidades, ou seja, com doenças que podem agravar a situação de saúde da pessoa em caso de uma contaminação com o Sars-Cov-2, o vírus que causa a covid-19.
São consideradas morbidades prioritárias: diabetes mellitus, hipertensão arterial grave, doença pulmonar obstrutiva crônica, doença renal, doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, indivíduos transplantados de órgão sólido, anemia falciforme, câncer, obesidade grau III. Nessa fase também serão vacinadas pessoas com deficiência permanente severa.
A quarta fase será voltada para imunizar os trabalhadores da educação, população em situação de rua, membros das forças de segurança e salvamento, trabalhadores do transporte coletivo e transportadores rodoviários de carga e funcionários do sistema prisional e população carcerária.
Essas quatro fases correspondem aos quatro primeiros meses de vacinação.
“Para as fases iniciais da vacinação, segundo cronograma de entrega e disponibilidade de doses conhecidas até o momento, estima-se que os grupos de maior risco para agravamento e de maior exposição ao vírus estariam vacinados ainda no primeiro semestre de 2021”, diz o documento.
A escolha da vacina pode alterar esse quadro, no entanto, “a depender das indicações da vacina após aprovação da Anvisa [Agência de Vigilância Sanitária], assim como as possíveis contra indicações”, diz o governo no projeto.
Se você não faz parte de nenhum desses grupos prioritários, deve receber a vacina após os quatro primeiros meses de vacinação — ou seja, é possível que você seja imunizado logo depois ou precise aguardar quase um ano.
Como vai funcionar a vacinação?
A vacinação será nos mesmos moldes do programa de imunização já existente, ou seja, gratuita e com a aplicação de doses nas unidades de saúde municipais e estaduais.
A maior parte das vacinas sendo consideradas precisa de duas doses, o que significa que todo mundo terá que voltar para tomar uma segunda dose algumas semanas após a primeira injeção.
“O período de vacinação para cada dose da vacina em cada fase é de aproximadamente trinta dias, considerando o intervalo de cerca de 4 semanas entre as doses (intervalo este que é variável para cada vacina)”, diz o documento.
No plano do governo, há, no entanto, uma previsão de uma exigência que não existe atualmente em nenhum tipo de imunização oferecida no país: de que as pessoas assinem um termo de consentimento antes de receberem a vacina.
“Os pacientes, ao serem vacinados com vacinas aprovadas para uso emergencial, deverão preencher um termo de consentimento livre e esclarecido, o qual deve estar complementado com os dados específicos da vacina objeto de autorização de uso emergencial”, diz o programa do governo.
Como será a logística de distribuição?
O plano do governo diz que o Ministério da Saúde está planejando a logística de distribuição em conjunto com os programas estaduais de imunizações.
Após a liberação do ministério, os lotes vão ser distribuídos aos Estados e ao Distrito Federal por transporte aéreo ou rodoviário, chegando nos Estados em até 5 dias. Não há detalhes no plano sobre quem fará ou como será essa distribuição.
A partir daí, a responsabilidade de distribuir a vacina aos municípios fica a cargo dos Estados, diz o governo.
O que pode dar errado?
O próprio governo admite no documento que os prazos dependem “do quantitativo de imunobiológico disponibilizado para uso”, ou seja, da quantidade de vacina que o governo conseguir.
Diversas preocupações já surgiram quanto a isso. O Brasil não negociou a vacina com a Pfizer (a primeira a ser disponibilizada, que já está sendo distribuída no Reino Unido) no início, por exemplo, e agora vai ter que entrar no final da fila.
Também é possível que faltem outros insumos e ferramentas. Desde coisas simples como seringa, algodão, caixa térmica, saco plástico, luva descartável até outras mais complexas, como refrigerador, freezer, sistemas informatizados e logística de distribuição e transporte dos lotes.
O desafio de uma campanha como essa no Brasil é enorme, porque o país tem dimensões continentais, com regiões de difícil acesso e muita desigualdade. No entanto, o país tem um longa experiências com projetos do tipo.
“O Programa Nacional de Imunizações (PNI) existe há 47 anos. Nós possuímos capacidade, organização e estrutura. Estamos acostumados a fazer vacinações em massa e temos ótimos exemplos disso na nossa história, como as campanhas contra a varíola, a poliomielite e a gripe”, disse à BBC a enfermeira Mayra Moura, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), no início do mês.
Foto: Isac Nobrega
Informações: BBC Brasil.