Julgamento de Marielle desafia STF em delação e foro especial

A análise da denúncia contra os supostos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), marcada para esta terça-feira (18) na Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal), testará o posicionamento da corte sobre delação premiada e foro especial.

Os ministros deverão decidir se aceitam a denúncia para tornar os acusados réus, apesar da falta de provas de corroboração nos principais pontos da delação do ex-policial militar Ronnie Lessa. A delação fundamenta a acusação contra o conselheiro do TCE-RJ Domingos Brazão, o deputado federal Chiquinho Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa. As defesas também questionaram a prerrogativa do STF para julgar o caso, argumentando que os crimes, especialmente o homicídio, não têm relação com o mandato de Chiquinho. Marielle e seu motorista Anderson Gomes foram mortos em março de 2018, antes das eleições de outubro que levaram o acusado à Câmara dos Deputados.

Segundo a acusação, os irmãos Brazão decidiram matar a vereadora para impedir que ela prejudicasse os interesses da família em práticas de grilagem de terras. O crime seria, segundo a PGR (Procuradoria-Geral da República), o auge das desavenças entre a família e integrantes do PSOL. Rivaldo teria orientado a melhor forma de executar o crime. Dois PMs também são acusados de terem ajudado nos preparativos, mas todos negam envolvimento. Além da acusação de homicídio, a PGR denunciou os Brazão por organização criminosa, iniciada “em meados de 2008 até os dias atuais” para a prática de grilagem com auxílio de milícias.

Os advogados dos acusados acreditam que essa última acusação é o argumento da PGR para manter o caso no STF. No entanto, a Procuradoria não especificou na denúncia os motivos para levar o caso à corte. Em 2018, o STF decidiu julgar crimes apenas durante o mandato do parlamentar e relacionados ao exercício do cargo. Em abril deste ano, a corte formou maioria para ampliar o foro especial, mantendo no Supremo os casos envolvendo membros do Congresso após o fim de seu mandato, mas ainda exigindo a relação com a função. A análise, contudo, ainda não foi concluída.

O caso Marielle chegou ao STF em março deste ano, após determinação do ministro Raul Araújo, do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Ele era o relator da investigação naquela corte porque a apuração tinha como alvo, até então, Domingos Brazão, já que conselheiros de tribunais de contas têm foro no STJ. Araújo enviou o caso ao STF após a citação a Chiquinho feita por Lessa. O ministro afirmou que a remessa era uma consulta por cautela, pois o Supremo ainda não tinha uma posição clara sobre o foro especial.

Há expectativa sobre a manifestação dos ministros quanto à ausência de provas de corroboração para as principais acusações feitas por Lessa. Essas evidências ajudam a comprovar que um colaborador falou a verdade e se tornaram exigência em 2019, após a aprovação do pacote anticrime, em resposta aos alegados abusos da Operação Lava Jato. O relatório da PF relata tentativas frustradas de ratificar a colaboração do ex-PM com provas independentes. O documento atribui as dificuldades na corroboração aos seis anos já passados do crime e ao envolvimento de policiais capazes de encobrir rastros e dificultar as investigações.

O advogado Maurício Stegemann Dieter, professor da USP, afirmou que a lei não prevê “atenuação nem condescendência” devido ao tempo decorrido e às dificuldades de investigação. Segundo ele, delação é um assunto sério que afeta a liberdade de terceiros e o delator deve prover as provas necessárias. O professor da FGV Direito Rio Thiago Bottino, no entanto, afirmou que “o conceito de prova de corroboração depende de cada caso concreto”, sendo difícil comparar casos e suas particularidades.

A PF considerou como corroboração a confirmação de uma testemunha de que Lessa conviveu com os irmãos Brazão no início dos anos 2000 e a ratificação da existência de um curso de rio com uma cerca descrito pelo ex-PM como local de descarte das munições, embora o material não tenha sido encontrado. A advogada Luísa Rosa, mestre pela UFPR e autora de livros sobre delação, afirmou que a Primeira Turma ter referendado as prisões indica que as corroborações foram consideradas suficientes. Contudo, a análise deve ser feita novamente no recebimento da denúncia, ficando a cargo do julgador decidir se há corroboração suficiente.

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