O Ministério Público Federal (MPF) acionou a Justiça Federal de Itaituba na segunda-feira (12) para pedir a suspensão de todas as permissões para extração, comércio e exportação de ouro vigentes em Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso, na região sudoeste do Pará. De acordo com o órgão, a região concentra a principal fonte de ouro ilegal no país e afeta terras indígenas Munduruku e Kayapó.
Para o MPF, a cadeia de produção e circulação de ouro de garimpo na região de Itaituba está completamente comprometida pela livre atuação de quadrilhas “que vem fomentando todo tipo de criminalidade, ameaças e violências contra os direitos existenciais de populações vulneráveis, bem como promove a desestruturação social e política desses grupos”.
O MPF considera que, diante da falta de ação do governo federal no combate ao garimpo ilegal, “impõe-se a salvaguarda dos valores existenciais dos povos originários em detrimento dos valores patrimoniais em conflito, ao menos enquanto o estado não indica, de forma programática e sindicável, atuações concretas aptas a solucionar, ou ao menos mitigar, o problema dentro de prazo razoável”.
São réus na ação a União, a Agência Nacional de Mineração (ANM) e o Banco Central do Brasil (Bacen). De acordo com a Constituição e a legislação brasileira, compete à ANM e ao Bacen autorizar e fiscalizar a extração e o comércio de ouro no país. A União é a detentora dos recursos minerais em seus territórios e não pode favorecer a garimpagem nas terras indígenas, pelo contrário, lhe cabe proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
Medidas
O MPF requisitou à Justiça que promova uma audiência de justificação prévia, ocasião em que os réus poderão demonstrar a adoção de medidas concretas aptas a solucionar o problema, ou ao menos mitigá-lo.
A ação aponta 11 medidas que devem ser tomadas pelas autoridades para evitar a suspensão total do comércio de ouro na região, a começar pelo acatamento pacífico e ordeiro das ordens de desintrusão das terras indígenas emanadas pela Justiça Federal e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que até agora vem sendo descumpridas por investidas violentas de garimpeiros ilegais e compradores de ouro que, unidos, atacam as operações policiais.
O MPF requer ainda a alocação de forças de segurança na região do município de Jacareacanga para assegurar o pleno exercício das liberdades individuais e a proteção dos indígenas incluídos no programa de proteção aos defensores de direitos humanos; e que o governo se abstenha de fazer quaisquer encontros, reuniões, tratativas, negociações, oferecimentos de vantagem, compromissos ou outros acertos que digam respeito à garimpagem em terra indígena.
Caberá ao governo federal, à ANM e ao Bacen comprovar ainda a elaboração e execução de sistemas de certificação de origem e de rastreabilidade do ouro, bem como a instituição da nota fiscal eletrônica do ouro. O Brasil não possui nenhum sistema eletrônico de controle do ouro que circula no país.
Danos do ouro
Estudo inédito feito por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em cooperação com o MPF aponta que, apenas em 2019 e 2020, os três municípios concentraram 85,7% das ocorrências de esquentamento de ouro no país, prática em que o minério extraído ilegalmente é comercializado com base em declarações fraudulentas de origem. De acordo com o estudo, foram 5,4 toneladas de ouro ilegal que entraram no sistema financeiro dessa maneira nos últimos dois anos.
“Da produção de 30,4 toneladas de ouro do Estado do Pará, no período de 2019 a 2020, ao menos 17,7 toneladas (58,4%) foram extraídas com falsa indicação de origem, seja pelas evidências de extrapolação dos limites autorizados para a lavra pela Agência Nacional de Mineração, seja pela indicação de áreas de floresta virgem como origem do ouro. Esta última modalidade de fraude, aqui denominada de esquentamento chapado, viabilizou a introdução em circulação de 5,4 toneladas de ouro de origem ilegal (quase 18% do total produzido pelo Estado do Pará) apenas nos municípios de Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso, onde se situam terras indígenas dos povos Munduruku e Kayapó”, narra à ação judicial.
Segundo o MPF, ao adquirirem ouro ilegal, de modo intencional ou não, pessoas físicas e empresas comerciais não autorizadas alimentam a criminalidade mediante o financiamento de novas invasões de terras, aliciamento de indígenas, aquisição de maquinário de garimpo, aeronaves, combustíveis e até mesmo a contratação de milicianos armados, profissionais liberais e de lobistas para atuar no meio político em prol da liberação de mais áreas para a atividade.
O círculo vicioso do garimpo ilegal vem produzindo conflitos graves e cenas de violência na região que escalaram no primeiro semestre de 2021. “Foi nesse contexto de retroalimentação da atividade criminosa que, no dia 19 de março de 2021, por exemplo, deu-se a tentativa de invasão do Igarapé Baunilha, na Bacia do Rio Cururu, berço de vivência do povo Munduruku. O rio Cururu fica na porção oeste do território, ainda preservada, e guarda aldeias importantes, como a aldeia Missão São Francisco. Os Mundurukus consideram que a destruição dessa bacia pela mineração ilegal pode significar o fim da vida indígena na região”, conta o MPF.
“Além da amplamente noticiada expansão de 363% nos índices de desmatamento nas referidas terras indígenas (Munduruku e Sai Cinza), a atividade garimpeira vem provocando a contaminação dos indígenas por mercúrio em níveis alarmantes, bem superiores aos valores de segurança fixados pela Organização Mundial da Saúde, e comprometendo sua segurança alimentar e nutricional”, diz o MPF, que também informou à Justiça investigar diversas denúncias de exploração sexual de mulheres e crianças e de tráfico de armas e de drogas, associados à atividade garimpeira.
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Informações: G1 Pará