Bragança: Moradores revelam histórias de identificação com São Benedito

A cidade de Bragança, no nordeste paraense, completou 407 anos de fundação na última quarta-feira (8). Para celebrar a data, o portal Notícia do Pará (NP) conversou com alguns moradores do local sobre a relação deles com São Benedito, padroeiro do municipio e patrono do ritual da Marujada, uma das maiores manifestações de devoção e cultura popular da Amazônia.

A devoção pelo santo é nítida nos quatros cantos da cidade. Está no nome do estádio de futebol municipal, inspiração para arte, igreja, estátua às margens da rodovia PA-242 e mirante a beira do principal rio da região. “Apesar do ápice da devoção por São Benedito ocorrer no mês de dezembro, mais especificamente durante o período da festividade do santo, a consagração pelo padroeiro da cidade acontece durante 365 dias do ano. E está presente em cada parte do município”, afirma o historiador Dário Benedito Rodrigues, bragantino e pesquisador da Festividade de São Benedito.

Segundo ele, o santo é uma espécie de estandarte da cidade. E traduz, através das mais diferentes manifestações culturais, o cotidiano de um município com mais de 400 anos de história. “Seja na arquitetura, nas composições musicais, nas artes plásticas, em testemunhos de graças recebidas ou até mesmo nos inúmeros registros de nascimentos da cidade, a devoção pelo santo preto faz parte da essência do bragantino. É um costume comum. Não podemos falar em Bragança sem falar na identificação dos moradores com São Benedito”, ressalta o pesquisador, que como muitos moradores da cidade, também possui no nome de batismo a homenagem ao santo.

 “Assim como em Belém tem muita gente chamada Maria de Nazaré por conta da devoção a Nossa Senhora de Nazaré, em Bragança ocorre a mesma coisa. Mas aqui, o homenageado é o santinho preto”, explica a dona de casa Benedita Cruz, 47 anos, devota do santo e maruja há mais de duas décadas. “Eu costumo dizer que a minha devoção por São Benedito acontece desde quando eu estava na barriga da minha da mãe, pois como ela tinha muita dificuldade em engravidar, ela e o meu pai fizeram uma promessa ao santo. Disseram que se ocorresse tudo bem na gravidez e eu nascesse com saúde, o meu nome seria o mesmo do santo. E não deu outra. Eu nasci, conforme o planejamento deles, e na mesma hora fui registrada como o nome do santinho”, revela Benedita.

A identificação da cidade com o santo começou no final do século 18, a partir de uma Irmandade religiosa fundada por negros escravizados. De lá para cá, as manifestações de louvor a São Benedito foram crescendo e se tornando cada vez mais presente no cotidiano dos moradores de Bragança. “A devoção pelo santo nasceu através de uma classe oprimida, e ainda hoje está presente nessa origem. Por isso houve uma identificação tão forte com os moradores. São Benedito é um santo do povo, que representa os anseios do povo e por isso ele se tornou tão popular”, esclarece o historiador.

Apesar de não ter o nome do santo no documento de identificação, o escultor  Valdeci dos Santos, 43 anos, natural da cidade de Viseu, mas que reside em Bragança há 16 anos e já se considera um bragantino, revela que a devoção pelo padroeiro de Bragança sempre esteve presente em sua vida. Valdeci foi o vencedor do concurso ‘São Benedito de Arte Popular’ que regulamentou a escolha do protótipo da nova estátua, por meio de uma votação popular promovida pela Secretaria de Cultura do Estado. A escultura criada por ele foi reproduzida em escala monumental, substituindo a antiga imagem do santo, que desabou em maio de 2019.

“Ganhar esse concurso foi um grande presente”, conta o escultor, que já acumula mais de 25 anos na profissão. O novo monumento a São Benedito, localizado no mirante da vila do Camutá, às margens do rio Caeté, foi inaugurado em dezembro do ano passado. A nova imagem tem as mesmas dimensões da anterior – 16,5 metros de altura e 4 metros de diâmetro.

Maruja de São Benedito há 11 anos, a professora Socorro Souza só sai de casa após segui um ritual. Fazer uma oração e beijar uma fita vermelha amarrada na imagem do santo, guardada dentro de um oratório de madeira. “É uma forma de respeito à memória do santo”, justifica. Para ela, a tradição ao padroeiro de Bragança só permanece viva porque se renova a cada ano. “Principalmente durante o período em que as comitivas de esmolação que levam o santo de casa em casa peregrina pelas ruas da cidade. É nessa época, que a gente ver o auge da devoção pelo Benedito. Famílias inteiras se mobilizando para receber o santo em casa como se fosse uma pessoa, com direito a festa e um grande banquete”, relata a professora, que todos os anos faz questão de receber uma comitiva em casa.

Tradição que resiste ao tempo

As comitivas de esmolação de São Benedito são três grupos de devotos do santo que saem todos os anos entre final de abril e início de maio da cidade de Bragança para peregrinarem por toda a região bragantina até o início da festividade, em dezembro. É durante o serviço de esmolação, intensificado nos bairros a partir de setembro, que o laço dos devotos com o santo preto passa do campo espiritual para o real. “As pessoas não recebem em casa apenas uma imagem de São Benedito. Elas recebem o próprio santo como se fosse gente. Um ente querido. E isso faz parte do imaginário coletivo, que a cada ano renova a fé dos devotos e prova o quanto essa manifestação está inserida no cotidiano dos bragantinos durante todos os dias do ano”, explica o historiador Dário Benedito. 

Fotos: Ascom/Prefeitura de Bragança

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